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Professor relata sua experiência de trabalho com o Nepso
autor: Rodrigo Vieira - 23/07/2013
Sou professor no projeto Entrelaçando na Escola Municipal Professor Edgar da Matta Machado, na cidade de Belo Horizonte. O projeto Entrelaçando é um projeto de correção de fluxo da rede municipal de educação de Belo Horizonte. Foi através deste projeto que tive contato pela primeira vez com o Nepso, já que esta é uma das atividades a serem realizadas no decorrer do ano.
 
No ano de 2012 fui responsável por desenvolver o Nepso junto com meus alunos. Quando me deparei com a proposta do Nepso, achei muito interessante pela possibilidade de desenvolver algo em que os estudantes deveriam colocar em prática (em uma única atividade os conhecimentos adquiridos) as disciplinas como matemática, língua portuguesa e geografia, contrariando a lógica “normal” que aufere os conhecimentos de modo estanque. Porém, o que me causou maior interesse foi o fato de desenvolver uma atividade em que os estudantes deveriam ser protagonistas e não agentes passivos.
 
O desafio estava lançado!
O desafio dos estudantes era construir com suas próprias mãos uma pesquisa de opinião;
O desafio do professor era ter a capacidade de levar os estudantes a fazer por si mesmos esta pesquisa sem cair na tentação de fazer por ele.
 
Permeados pela concepção de avançarmos na formação de sujeitos ativos e autônomos iniciamos a construção do trabalho. A turma optou pelo tema “Transporte Público” para realizar a pesquisa, após vários debates e exclusão de outros temas, muitos até mirabolantes, fruto da mente fértil de nossos alunos. Em seguida realizamos a qualificação do tema ao estudarmos sobre a origem do transporte público no mundo, modalidades de transporte público e sobre o novo sistema de transporte que está sendo implementado na cidade de Belo Horizonte.
 
Dando continuidade, os alunos receberam a missão de elaborar no “para casa” de 1 a 3 perguntas para o questionário da pesquisa sobre o tema. Importante ressaltar que todas as atividades do Nepso referidas acima foram trabalhadas de forma integrada com as capacidades e habilidades de língua portuguesa, matemática, história e geografia, na medida em que eram realizadas atividades de leituras, interpretações de textos, construção de textos, além de vários debates sobre a situação da população e as mazelas do transporte público. A diferença é que todas estas atividades iriam servir para um objetivo, logo não era uma leitura de texto em abstrato.
 
Com o questionário em mãos toda a turma tomou a importante decisão de realizar a pesquisa fora da escola, nas ruas do bairro. Este fato parece que deixou tudo mais sério na cabeça dos alunos, passaram a tratar de modo mais responsável já que iriam se expor perante a comunidade.
 
Todos estiveram presentes em todos os detalhes da execução da pesquisa, até mesmo as pranchetas foram construídas pelos alunos, fato que também contribuiu para uma maior valorização do trabalho.
Para quebrar a vergonha dos alunos realizamos vários ensaios da pesquisa com alunos de outras salas. Assim, no dia “D” todos já estavam mais preparados e conscientes da postura que deveriam ter perante a população. O resultado foi excelente e quase 100 pessoas foram entrevistadas e nossos alunos receberam vários elogios dos entrevistados. Na sequência realizamos a tabulação dos resultados e construímos alguns gráficos.
 
Todo este processo foi apresentado no Seminário do Nepso, que aconteceu na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), juntamente com uma apresentação cultural. Mais uma vez, partiu dos estudantes a excelente ideia de realizar um teatro expressando os resultados da pesquisa que acabara de ser realizada sobre transporte público.
A ideia do teatro foi um novo desafio e serviria para mostrar que os alunos de comunidades periféricas conhecem outros estilos de manifestações culturais, além das danças de hip-hop e funk. Seria necessário escrever as falas, ensaiar, construir um ônibus para o cenário, sonoplastia e tudo mais. As falas do teatro foram escritas de forma coletiva com o professor funcionando como um escriba. Depois vieram os ensaios. Muito trabalho! Como na “vida artística real” ocorreram disputas saudáveis por alguns papéis e muito ensaio. Os alunos não esperavam que eu enquanto “diretor artístico” era muito mais “chato” e exigente do que no meu papel normal de professor. No inicio de cada ensaio, avisava que no final tudo iria dar certo e que tudo era em busca da realização de um excelente trabalho, proporcional a capacidade dos meus brilhantes alunos.
 
Em certo momento uma dúvida em minha cabeça surgiu: será que não estávamos “perdendo” muito tempo com o Nepso enquanto o correto seria estar trancado dentro de uma sala trabalhando com matemática e língua portuguesa?
 
O grande dia da apresentação do seminário do Nepso na UFMG chegou. Tudo poderia acontecer, perante o público os alunos poderiam ficar inibidos. Mas felizmente nada disso aconteceu e meus queridos estudantes me encheram de orgulho ao realizarem uma excelente apresentação dos resultados da pesquisa e apresentação teatral (que se torna impossível expressar neste texto).
 
A construção de todo este processo foi muito rica e com um nítido avanço na formação dos estudantes e com algumas conclusões:
 
Primeiro ficou claro que não estava perdendo tempo com o Nepso. Os alunos avançaram em língua portuguesa, matemática, história e geografia sem precisar ficar trancados em uma sala de aula. Ficou nítido como a produção de texto e a oralidade deles estavam avançadas, bem como a capacidade de debaterem e emitirem opinião sobre situações concretas como o transporte público.
 
Segundo, considero que os estudantes em geral atualmente frequentam nossas escolas sem saberem e terem um sentido do “porque” e “para quê” estudar. São seres passivos perante tudo. A função mais importante do professor foi a todo momento apontar a importância de ter um grande objetivo (no caso realizar uma pesquisa real e apresentar para outras escolas na UFMG) e lutar por atingir nossas metas. No dia seguinte da apresentação o ambiente em nossa sala de aula não poderia ser melhor. Em nossa turma prevalecia um espírito de dever cumprido e uma sensação de como é bom sentir que somos capazes de traçar um objetivo, brigar por cumpri-lo e efetivamente atingir nossos planos. Tudo isto contraria a política assistencialista dos governantes que tratam nossas crianças como incapazes e pobres coitados o que, definitivamente, não são.
 
Por fim, ressalto também que consolidou-se em meus alunos um espírito de grupo, de time, de união, fazendo cair por terra definitivamente um ambiente de indisciplina, violência e rixa entre meninos e meninas. Semanas depois foram até campeões de um campeonato de “queimada”. Não teria a audácia de dizer que foi por causa do processo do Nepso, mas vai saber? Certo é que avançamos na formação de estudantes mais autônomos e protagonistas.
 
 

 

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